
Há pouco mais de um ano comandando a mais alta corte da Justiça no Estado, a presidente do Tribunal de Justiça do Tocantins Willamara Leila coloca em prática um ousado projeto de aproximação da prestação jurisdicional do cidadão ao mesmo tempo em que enfrenta uma greve de servidores que já ultrapassa três meses sem perspectiva de que o problema seja resolvido. Willamara critica os grevistas e pede desculpas à população devido aos transtornos ocasionados pelo movimento grevista, cujas reivindicações, a seu ver, são “desproporcionais” à realidade do Tocantins. Nesta entrevista, a presidente, que já esteve à frente do TRE (Tribunal Regional Eleitoral) fala ainda sobre as ligações de desembargadores com políticos e descarta qualquer influência nas decisões do Tribunal.
Jornal O Estado – Como a senhora avalia greve dos servidores da Justiça que já completa três meses?
Desa. Willamara Leila – Em primeiro lugar eu lamento e me sinto na responsabilidade de pedir desculpas à sociedade. Existe um processo judicial em andamento e temos de aguardar seu término para poder verificar quanto à legalidade ou ilegalidade das reivindicações. Em relação ao limite que o Tribunal de Justiça poderia chegar, não chegamos nem a fazer uma proposta com relação à reivindicação tendo em vista que ela é totalmente desproporcional. Não há qualquer possibilidade de conceder aumento de 70.62% num momento em que o Brasil vive uma situação completamente diferente disso, nosso estado possui o 24º PIB (Produto Interno Bruto – soma das riquezas do Estado) do País e os salários dos nossos servidores são praticamente os melhores do Brasil em comparação com nosso PIB. Qualquer coisa que se fale sobre concessão de aumento nesse patamar, é inviável.
Jornal O Estado – Se os servidores ganham bem se comparados a outros Estados, qual seria, então, o motivo dessa greve?
Desa. Willamara Leila – Eles têm como principal reivindicação a isonomia com servidores que receberam reajuste numa reposição de perda salarial durante um período e esse reajuste, essa isonomia, ela tanto pode ser para mais como pode ser para menos. Estamos verificando todos os procedimentos administrativos para vermos que pode ser não o caso de conceder aumento e sim de retirar. Essa questão tem de ser abordada juridicamente ou administrativamente, mas não através de uma greve. Quem acaba sendo prejudicado é o cidadão.
Com certeza. Lamento e peço desculpas à sociedade, pois é o cidadão, o destinatário final de todas as nossas ações, que fica sem o atendimento da Justiça, um atendimento prioritário. Quem tem um processo na Justiça dorme e acorda com isso no pensamento. É lastimável que essa greve esteja acontecendo.
Jornal O Estado – A greve já completou três meses e pode se estender mais. Tem como a Justiça recuperar esse tempo?
Desa. Willamara Leila – É difícil. O prejuízo é evidente, mas temos de encarar os fatos reais como eles são. Quando a greve terminar, vamos avaliar a situação para tentar minimizar esse prejuízo à sociedade.
Jornal O Estado – Um dos debates levantados principalmente em épocas de campanhas eleitorais é o fato de que o Tribunal de Justiça teria ligações políticas com o ex-governador Siqueira Campos. Como a senhora avalia esse tipo de questionamento?
Desa. Willamara Leila – O Tribunal de Justiça do Tocantins está muito bem sedimentado. É uma instituição forte, que já passou por várias etapas de implantação e hoje está bem estruturado ao ponto de não haver nenhum tipo de interferência externa em relação à atuação dos desembargadores, sobre o julgamento de processos. Isso a sociedade tem visto e continuará a ver ao longo do tempo. O Tribunal de Justiça está muito sólido.
Jornal O Estado – A que a senhora credita esse tipo de suspeita de ligações políticas do TJ?
Desa. Willamara Leila – Penso que o fato da forma com que o nosso Estado foi criado, da forma como foi feita a composição de nossa instituição. Isso aconteceu não só aqui no Tocantins, os outros estados também, como o Mato Grosso do Sul por exemplo, devem ter passado por esse tipo de situação. Isso só o tempo para poder curar.
Jornal O Estado – Levando-se em conta esses fatores, a Justiça tem atuado conforme a expectativa da sociedade?
Desa. Willamara Leila – Sim e nós estamos procurando nos aperfeiçoar cada vez mais. Não chegamos ainda ao estágio de excelência. Nosso Estado é muito novo e, apesar de sólida, nossa instituição também é muito nova, mas estamos trabalhando dia e noite para melhorar a infraestrutura, o atendimento ao cidadão, capacitando os servidores para melhorar o atendimento à sociedade e criando unidades judiciárias em cidades que não são sedes de comarca para que o juiz se desloque até o cidadão e não o cidadão até o juiz. Isso é um grande avanço, um projeto pioneiro. Neste ano vamos construir e entregar no mínimo 20 unidades judiciárias.
Jornal O Estado – Como é a atuação dessas unidades judiciárias?
Desa. Willamara Leila – É um pequeno fórum instalado em um município que tem bastante movimento e se situa distante da sede da comarca, aquelas cidades onde o cidadão encontra dificuldade para ter acesso à Justiça. Com as unidades judiciárias, o juiz vai ao cidadão. Por exemplo, marca dois dias de audiência lá mesmo onde o cidadão reside. Isso é aproximar a Justiça do cidadão de forma especial e merecida.
Jornal O Estado – Pelo seu tamanho e características geográficas, o Tocantins tem várias realidades distintas, como o Bico do Papagaio, por exemplo. Como o TJ tem acompanhado essa característica do Estado?
Desa. Willamara Leila – Temos investido para melhorar o atendimento. Estamos investindo pesadamente na construção de fóruns na região Norte do Tocantins. O Bico do papagaio vai ter outra realidade a partir das construções e reformas que estão sendo realizadas por lá. E não é só isso. A criação das unidades judiciárias acontece em vários municípios que ficam justamente nessa região. A distância da região com a Capital torna mais difícil o acompanhamento da atuação da Justiça, mas estamos mudando essa realidade com as unidades judiciárias, com os fóruns e com a capacitação dos servidores através dos cursos telepresenciais, com aulas dentro dos próprios fóruns. O Bico do Papagaio tem sido olhado com muito carinho pela nossa gestão.
Jornal O Estado – Como tem sido o relacionamento do TJ com o Legislativo e Executivo estaduais?
Desa. Willamara Leila – Excelente. Há um nível de respeito muito alto à independência dos Poderes. A independência é importantíssima, mas a harmonia também deve prevalecer. Sem harmonia, um atrapalharia o outro a desenvolver suas atividades eficientemente. Da nossa parte, só temos a agradecer ao Executivo e ao Legislativo. Todas as iniciativas do TJ, nossas propostas são analisadas como muita celeridade, como nós precisamos.
Jornal O Estado – O Poder Judiciário acaba ficando sempre dependente do Executivo, que é quem faz o repasse de verbas. Isso tem trazido algum problema ao Judiciário?
Desa. Willamara Leila – Conseguimos no final do ano passado a autonomia completa em relação ao Fundo de Aprimoramento do Poder Judiciário. Antes, eram repassados apenas 60% ao Judiciário. Hoje são repassados 100%. Essa autonomia financeira é importante, pois a questão do repasse legal, isso já está consolidado. É um Poder independente. Em relação ao repasse do Funjuris, como as nossas obras de infraestrutura tanto de reforma como de construção eram feitas pelo Estado, ficava essa parcela da arrecadação lá também. Com a vinda dos recursos para o Judiciário e com a criação por nós da Diretoria de Obras no TJ, agora nós mesmos estamos tomando conta de nossa Casa. Todas as obras, construções, projetos, reformas, tudo está sendo feito através do próprio Tribunal de Justiça.
Jornal O Estado – Qual é o tipo de reclamação que a senhora mais costuma ouvir do pessoal da Justiça no Estado?
Desa. Willamara Leila – Um problema que não é característica só do Tocantins, é a demora no julgamento dos processos, a morosidade da Justiça. Mas, desde o ano passado, conseguimos colocar um juiz em cada comarca, até mesmo um juiz em cada vara, melhorando muito o atendimento e o julgamento dos processos. Sobre as metas traçadas pelo Conselho Nacional de Justiça, uma das mais importantes é a Meta 2 – julgamento dos processos distribuídos até o ano de 2005, ficamos em quarto lugar no País. Isso é motivo de orgulho para o TJ do Tocantins. Só júri, foram feitos mais de 200 em um ano. Pessoas que estavam sem julgamento há vários anos foram beneficiadas com essas ações. Foram feitas sessões em fins de semana e feriados. Foi um trabalho árduo dos juízes junto com os servidores e conseguimos colocar em dia quase todos os processos que estavam pendentes até 2005. A partir de agora, cabe a nós dar prosseguimento e melhorar a prestação jurisdicional, ou seja, cumprir a Constituição no que diz respeito à razoável duração do processo. O processo não pode demorar muito sem solução. Estamos lutando para acabar com a morosidade da Justiça em nosso Estado. J
Jornal O Estado – Existe a programação de novos concursos?
Desa. Willamara Leila – Ficamos durante muitos anos sem realizar concursos. No ano passado, realizamos uma seleção e estamos chamando os aprovados para tomar posse. Provavelmente, devemos realizar um novo concurso, mas digo sem medo de errar: não é a quantidade de servidores que resolverá determinados problemas na Justiça. Não adianta colocar centenas de pessoas trabalhando que vai resolver. Temos de capacitar os servidores para atender com qualidade. Precisamos modernizar o Judiciário em tecnologia de informação para diminuir os conflitos e os processos andarem com maior agilidade. A estratégia é investir pesado na qualificação. Talvez façamos um novo concurso e sempre que precisar, vamos selecionar novos servidores, pois passamos muitos anos sem adotar esse procedimento, provocando carência de pessoal. Chegando num patamar razoável, é incrementar ainda mais a qualificação.
Jornal O Estado – Quais são as outras formas de qualificação de servidores que o TJ está adotando atualmente?
Desa. Willamara Leila – Já estamos com 100% dos servidores das comarcas participando de um curso de pós-graduação de Gestão do Judiciário. São vários módulos e um deles engloba inclusive a ética, o bom atendimento ao cidadão. O curso está surtindo excelentes resultados.
Jornal O Estado – A senhora conclui o mandato de presidente em fevereiro do ano que vem. Qual é a marca que pretende deixar no TJ?
Desa. Willamara Leila – Muito trabalho. Temos feito muito. Além das construções, estamos reformando 17 fóruns, dando a eles uma identidade que não tinham, padronizando a aparência externa. Quando um cidadão chegar a uma cidade, identificará de imediato um prédio da Justiça. Meu desejo é conseguir chegar ao fim da minha gestão cumprindo todas as obrigações que me propus a realizar.
Jornal O Estado – A Justiça ainda está longe do cidadão?
Desa. Willamara Leila – Ela está mais próxima, com certeza, mas ainda não está da forma ideal. Construímos essas 20 unidades judiciárias em 20 municípios num Estado que tem 139 municípios, ainda acho que estamos tímidos, mas vai ajudar bastante. Essas comarcas podem se transformar em centros de cidadania para atendimento à população